“A velhice é um naufrágio” – dizia De Gaulle.
Mas ser velho é bem diferente de se ser geronte.
Geronte é um indivíduo que tem diversas características que acontecem, normalmente, a partir de uma determinada idade (a que vulgarmente chamamos, sobretudo para as senhoras, quando queremos ser simpáticos, de uma idade indeterminada).
O que não quer dizer que todos estes indivíduos sejam meros elementos de um grupo uniforme condenado às mesmas alegrias e às mesmas desgraças.
É que hoje o humanismo deu já lugar, julgamos, ao personalismo.
E, portanto, uma visão do mundo centrada na humanidade como um todo (importantíssima na altura em que foi necessário abandonar uma certa visão escolástica, pelas possibilidades que ofereceu) foi substituída por uma perspectiva que se alicerça na pessoa humana, na individualidade do homem (o que de modo nenhum, significa uma defesa do individualismo).
Mas a pessoa, o indivíduo, o homem, ganhou uma autonomia que lhe permite (mas não obriga a) coisas que dantes seriam impensáveis, ou pelo menos, muito dificilmente realizáveis. Coisas que nos parecem tão banais hoje, que nos esquecemos que “ontem” não existiam e que portanto um “idoso” (e falamos dos oitenta, dos sessenta, e porque não dos quarenta ou dos trinta anos?) foi obrigado (aqui sim, obrigado) a um longo caminho de adaptações, que foram, por vezes, difíceis.
E falamos mesmo de coisas tão banais como o fogão a gás, o frigorífico, o ferro de engomar, o telefone. Não que estes sejam difíceis de utilizar e que tenham exigido grandes aprendizagens. Bem pelo contrário. Mas as facilidades que oferecem provocaram transformações profundas na estrutura social e na vida das pessoas, que, estas sim, exigem enormes capacidades de adaptação… ou uma sensação de afastamento do grupo, da sociedade, com que não é fácil viver.
Vejamos, por exemplo, como a possibilidade que um casal (ou até uma pessoa só – homem ou mulher) tem de viver independente de uma estrutura familiar mais ampla só existe porque pode dispor daqueles meios acima referidos. Meios que há cerca de quarenta anos ou não existiam ou eram suficientemente raros para não imporem um modo de vida. E poderíamos apresentar dezenas de exemplos semelhantes, da internet ao avião, do ensino à informática, e analisar em seguida as implicações que têm na vida de toda a gente e, por maioria de razão, na vida de alguém que percorreu uma trajectória mais longa, como é o caso de um geronte.
Mas existem outros tipos de fenómenos que têm de ser considerados quando queremos estudar “o geronte” e as questões que este levanta ao seu redor. Para sermos breves e simplificar damos alguns exemplos:
Imaginemos um grupo de 100 pessoas.
Se dessas 100 pessoas morresse 1 por ano teríamos que no primeiro ano morreria 1% das pessoas existentes, no 25º ano morreriam 1,33 por cento, no 99º ano 50 por cento e no 100º ano cem por cento.
É, assim, natural (?) que a sensação de “cercado” possa aumentar em cada ano que vivemos.
Mas a maturidade resultante de uma vida bem vivida deveria conduzir a uma visão positiva e real sobre esta situação, levando a compreender que o último, afinal, foi o mais beneficiado, se é que consideramos que viver mais anos é importante, como é o caso, aqui.
Mas percebemos a razão de quem no final de uma excelente refeição se queixa de não conseguir comer mais… se for masoquista e adorar sofrer.
Um outro fenómeno e um outro exemplo:
Vivemos em sociedade e a imagem que damos aos outros também é importante.
Mas alguns exageram, julgamos, e vivem, só “em segunda mão”, através da imagem que os outros têm deles.
No entanto, mais uma vez, não é grave que cada um faça o que julga melhor fazer. Há grandes obras na humanidade realizadas para a imagem que davam. O problema é quando nos distraímos a fazer outras coisas e “perdermos o comboio”…se ficarmos na estação a chorar, arrependidos.
Ora ser geronte não deixa de se ter um futuro. È , também, ter um passado…mais longo. E se os “vinhos novos” sem serem extraordinários raras vezes são horríveis, já “os vinhos velhos” podem ser uma maravilha ou terem-se passado ou avinagrado, no tempo das oportunidades perdidas.
Daqui a importância que a Organização Mundial de Saúde dá à passagem de uma perspectiva em que se procura “dar mais tempo à vida” para uma outra em que se privilegia o “dar mais vida ao tempo”.
È que saúde é um estado de equilíbrio fisiológico, mas também social, psicológico, etc.
Infelizmente todo este processo de maturação leva quase uma vida a conseguir…e algumas (muitas) pessoas são já velhas a partir dos 15 anos. Estando “mal na sua pele” dificilmente poderão chegar “a ser um geronte saudável”…que terá de ter, também, em atenção algumas das transformações que se operam neste período da vida, ao nível de alguns parâmetros que devem ser controlados, nomeadamente bio-fisiológicos, biopsicológicos, sociais, culturais, etc.
Temos, assim, por exemplo que a nível bio-fisiológico a idade, tal como a sedentariedade, vem acelerar um processo de envelhecimento ósseo, articular, (exemplo da osteoporose provocada pela diminuição da densidade óssea, a esclerose das articulações…)
Este envelhecimento biológico também se faz sentir no sistema cardíaco e respiratório (o aumento de depósitos de gordura associado a um nível elevado de colesterol pode e tem sido em muitos casos um factor de risco…a estes podemos ainda acrescentar a diminuição da ventilação pulmonar, i.e. menos oxigénio levado a todas as partes do corpo).
Defendemos, que todos estes envelhecimentos podem ser abrandados através das estimulações coerentes e correctas no indivíduo, isto é pela prescrição adequada ao seu problema, tendo-se naturalmente em conta as suas motivações pessoais, as suas necessidades e os seus condicionalismos.
Mas uma acção coerente deve abarcar a totalidade do fenómeno, não se limitando a atacar “as rugas na superfície da pele”. É a nossa compreensão do fenómeno que está em causa. Um fenómeno que é consequência de múltiplas relações dialécticas e que tem, portanto, de ser estudado num quadro de referência dinâmico.
Caso contrário não sairemos do “coitadinho do. Geronte”. Mas o geronte è uma trajectória de vida que temos de respeitar, mesmo quando não a devemos imitar.
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