balada da vida

A BALADA DA VIDA…

Há cerca de uns trinta e tal anos, mais coisa menos coisa, no velhinho cinema Avenida, ali na cidade de Coimbra e eu ainda estudante, vi um filme que na época me sensibilizou e me fez pensar.

Eu explico o filme chamava-se “A balada de Narayama”, para os leitores desse tempo,talvez se recordem que o filme de S. Inamura (duas palmas de ouro no festival de Cannes nesse ano)” retratava” a história de um pequeno lugarejo japonês em que o morador que completasse 70 anos de idade, devia subir (ou levado) ao topo de uma sagrada montanha e aguardar por lá pela sua morte.

Aquele que se recusasse a cumprir a tradição, trazia a desonra da família.”… É um filme bem conseguido, onde o seu realizador soube sabiamente abordar o conflito existente entre a tradição desumana que era julgada necessária em prol da sobrevivência da pequena aldeia, e a ideia de que as pessoas idosas deveriam ser honradas e respeitadas e não jogadas numa montanha para que morressem sozinhas e de forma cruel.


Pois bem; no pretérito mês de Março, revi-me no papel desse personagem que, levando ou “carregando” (não às costas, mas no meu eterno andarilho) o velhinho António Campos, meu pai e o “depositei” por lá, nessa montanha sagrada  a que hoje chamamos Lar de Idosos.

Acreditem que “teve que ser” (após um Conselho do Clã), mas que me doeu muito, lá isso foi. A minha relação com “tais casas” nada tem de desprezível nem de angústia existencial. Acho mesmo que elas são úteis para estes tempos modernos e para as famílias “acomodadas”, mas então por que raio pactuo eu com esta mini-série de “A balada de Narayama”? É possível que uma atitude egoísta ou outra (que não consigo explicar) esteja na origem deste acontecimento.

Um destes dias, “subi à montanha”. Quer dizer; revisitei pela segunda vez o local onde deixei o meu velho progenitor. Ia receoso e cheio de dúvidas em relação ao que ia encontrar.Pois bem, vi o velho António Campos, meu pai na maior placidez possível. Magro (mas até nem está mal…) com a sua eterna filosofia de fim-de-semana, bonito como sempre o achei, sem reparos de maior à minha pessoa (ah! achou-me gordo… talvez tenha razão), mas inexplicavelmente sem me reconhecer no imediato. Foi sem surpresa que entendi estes “lapsos de memória”, mas quando passados uns instantes eu ouvi a expressão “Tó, tira-me daqui, leva-me para o meu Mundo (assim textualmente)…”-”Aqui eu morro devagar…”

Acreditem que  senti como que um murro no estômago como se fosse atropelado por uma manada de bois, esventrado no meu “interior mais profundo” e nesse instante, uma dor intensa, insuportável tomou conta de mim… Não aguentei mais e retirei-me rapidamente, chorando amargamente. Desculpem estas minhas “lamechices”, mas eu tinha que as confessar.

balada da vida

Por isso, julguem-me como quiserem, mas acho que no futuro, não irei suportar mais esta “Balada de Narayama”.
Por coincidência ou talvez não, a sua partida aconteceu em vésperas do Dia do Pai. Rica prenda realmente, para quem sempre foi desligado desses modernismos do fim do século passado. É por isso mesmo que me entretenho muitas vezes com a memória familiar e do passado.


As longas noites de desassossego funcionam muitas vezes para revisitar memórias, recolocar  ideias e acrescentar um pouco de bálsamo à minha alma magoada ou meditar um pouco sobre a torrente de acontecimentos que passam muitas vezes pela minha vida. Este foi mais um…
Às vezes pareço um velho senil que sente que os momentos dedicados à memória só trazem dissabores e me dispersam alegrias.

Então abunda o pessimismo, a tristeza que magoa e dói, mas nunca o rancor. Claro que a vida não poderá ser pensada como se víssemos nela uma procissão da Senhora da Agonia ou uma visita ao Muro das Lamentações… sei de antemão que a vida é mesmo assim: cruel e má por um lado, mas cheia de momentos doces e agradáveis por outro. Não há meio termo. Há sim uma espécie de folhetim da vida que coleciona ilusões e desilusões. E com a idade aprende-se uma coisa muito importante: aprende-se a envelhecer e a “saber ver “com outros olhos determinadas atitudes, gestos opções ou momentos que não regressam mais. Somos por isso mais condescendentes, mais generosos e até menos dados  ao rigor ou à fúria.

A minha mulher (que vive amiúde comigo estas destemperanças noturnas) acha que tudo isto é um belo tema de  romance . Mas não. É apenas o tempo que passa e me deixa mais humano e mais sorridente umas vezes, mas menos resistente a estados de alma por outras. Sinto que sou de um  outro tempo qualquer ou será talvez esta a minha balada da vida ???

A BALADA DA VIDA…
A.M.Campos
Abril 2014

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