COMO RECORDAR O SABOR DO PASSADO

“Com os olhos a vagar
Nas nuances ténues
Da penumbra da saudade
Á flor de alma se derramam
Sussurros inefáveis
De lembranças indeléveis…”
Hoje apeteceu-me poetar filosofar “recordar’ enfim; tanta coisa acabada em ar que nem sei por onde começar .
Estou nestes dias em que o calor do Verão me leva às estantes procurar algum recolhimento. Os livros providenciam-me alguma paz & felicidade. Desde miúdo que isso acontece, Hoje, no entanto, não consigo ler. Tantas vezes me trazem paz e sabedoria, que hoje isso não acontece. Não me trazem nem uma coisa, nem outra. Antes uma melancolia que eu conheço tão bem.,.e que muitas vezes, só um passeio me acalma a alma e o corpo. E, por falar em passeio”vivi”o mês passado um passeio picnic, realizado pela Casa do Povo  que me soube tão bem. Eu explico:
-Participei neste passeio/amizade, sem saber para onde ía. Fi-lo com a minha eterna “paixão e  gosto de percorrer caminhos e veredas que há muito julgava esquecidos.. Como me enganei. Cada passo trilhado, surgia como martelada de um passado tão remoto e inquietante que me trazia a melancolia das coisas que só têm sentido porque as não pudemos amar como devíamos, mas apenas e só quando as lembramos. Foi o que aconteceu.
A saída foi simples e pacata como convinha. Descemos ao Fundo da vila e chegados ao Cruzeiro, logo ali as lembranças começaram…
Revi os jogos de “cowboys”que faziamos entre ruas e ruelas até à venda da Dona Olívia ao pátio do Zé Pestana… As dezenas de pardais que com a velha”pressão de ar”abatíamos debaixo do velho pessegueiro do Sr. Serra e que nos iriam acalentar o estômago numa tarde bem sucedida. Seguimos pelo caminho fundo em direcção à Corredoira e logo ali me lembrei dos »mergulhos no velho tanque do Sr.Adelino, ali junto ao caminho, e que tantas vezes nos reconfortou na canícula dos Verões desse tempo. As futeboladas incontáveis que fazia caminho velho do S. João, junto à casa do meu eterno amigo “Zétó”. .Adiante e logo após a descida para as Covais (a minha escola de vida) a lembrança da velha figueira (a do Governo, lembram-se?) junto à estrada que nos matava a fome e o vício e que hoje nada resta (uma alimária qualquer resolveu e decidiu pôr termo à sua vida).

Entrámos nos pinhais da Quinta da costa e logo o “pensamento”voltou ao tempo em que acompanhava o velho António Campos, meu pai, pelas lides de caçador exímio e mestre que era.

“Agarra fadista” ! entra tira dá xalito ainda agora essa voz me soa tão presente e inquietante.

Senti um aroma de pinhal morno de um tempo que já passou. Mas o mesmo cheiro a pinhas e resina virgem,.

Chegados a Quinta da Costa (sabem que a rua principal me lembra as descrições dos romances de Júlio Dínis?) e parece que “ouvia “ainda a velha caldeira do alambique da Casa Grande. Como recordo bem, os dias em que eu e meu irmão Fernando, seguimos o caminho trilhado pela velha “carriça” carregada de ‘tadarço’ e lenha para 25 litros de aguardente que alguém iria beber. .Revi, ou antes, vi pela primeira vez a fonte interessante da Casa Grande. Como foi que ela mescapou?

Subimos à estrada para o alto de S. João,passei ao lado da casa do “Ti Chinelas”e revi nos mmifundios hoje cobertos de castelos de silvas e mato, o lindo “jardim que era outrora esse espaço de labuta e suor. Onde pararão os seus tantos filhos? Era bom homem.,.
Passei pela Corujeirai!
Ai  sim, vivi novamente o momento mágico dos dias em que numa correria desenfreada (éramos tantos caramba) quando a canicula desses verões apertava, procurávamos frescura e brincadeira no velho tanque de água no meio da vinha, mas só depois de termos “tirado todos os girinos que o enfestavam.. Depois, era mergulhar, mergulhar…
Ali perto, a velha poça da Regada, era testemunha disso, pois só íamos para essa “piscina encantadora”quando o velho Serafim nos espantava em alvoroço com medo que a”trancase abrisse e lá se fosse embora os quilolitros preciosos da água precisa aos milheirais. A ele e ao ‘Ti Chico pataco”que nela, também tinha quinhão.
Chegados ao S. João, lembrei-me dos lindos olhos cor de mar da avô materna Maria José Martins, pois quando cultivava a sua “coirela” chamava-me para me dar a passa seca do pêssego ou da pára que todos os anos secava na velha eira da quinta, Como o tempo passou depressa…
Lanço um olhar fugaz para Nogueira e vejo uma das paisagens mais lindas sobre nossa terra, com a grandiosa Serra da Estreia ao fundo. Se duvidam disso, vão aos S. João e desmintam-me.
A minha nostalgia não termina, pois chegados às Lajes, logo ai recordei os”píc-nic improvisados da adolescência e o admirar extasiado das paisagens ao redor… que lindo é ver o Caramulo, desde a serra do Buçaco até aos limites perdidos de Mangualde ou Celorico (?) .. .a partir daqui, ouve-se, quando o vento está ”de maré” (acreditem ou não) o som do comboio pela linha da Beira e o seu apito frenético ao chegar às estações.
Descemos a Nogueira, pelo velho caminho da Gorrna, por trás da casa do Meu “mestre” Prof. Albano e a mesma paisagem persegue-nos, esmaga-nos e insiste em nos acompanhar. Aqui recordo sempre com saudade as tardes infindas de estudo aplicado a rever tabuadas, caminhos- de-ferro, serras e rios.., debaixo dos carvalhos seculares em frente da casa do “Mestre”para a obtenção do “Bom”ou Óptimo’ que o mesmo fazia questão de exigir dos alunos que levava a exame na “velhinha 4 classe: tinha brio e orgulha dos seus alunos. Marcou-me muito.
Sou interrompido nos meus pensamentos com a frase sincera do nosso’cicerone Rui (Chalana).
“É  linda a nossa Nogueira, não ,cham?”
É óbvio que aprovo e concordo. Gosto de observar como Nogueira resiste à passagem e às reviravoltas. Uma terra para a idade adulta, para o coração que amadurece e aprende a saborear o passado. E como tempo a passar, sinto-me cada vez mais atraído por ela. um iman inexplicável…
Quase chegados ao fim da caminhada, ainda há tempo para a visita ao Pátio do Casal (tanto livro de cowboys que o Mário Vicente, meu colega de escola e futebóis, me emprestou) e à casa do Mendigo da Tia Antónia Gaia. Aqui, apenas recordo vagamente os seus gritos pungentes de raiva (?) ou loucura de uma vida miserável e turbulenta que Nogueira acolheu…
Estava no “términus” da visita/passeio deste dia memorável e inesqueçível que quase sem o saber, a deixando para trás. Acabei o dia muito bem-disposto (reconheço mais do que o habitual) mas, tirando o”sabor amargo na boca a papel de música’que não será para repetir, espero e desejo que outro passeio/convívio se faça, a outros sitios, outros lugares da nossa freguesia e me traga o mesmo que este me proporcionou.
Uma visita ao meu passado…’
Setembro de 2010
A,M. Campos

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