Entre Mortos e Vivos…

Novembro é invariavelmente o mês dos mortos. E,se todos os anos,o primeiro dia estava reservado para o ritual de Todos -os Santos, este ano, reconheço que passei por ele como cão por vinha vindimada. A culpa não foi minha, mas antes de um Governo que me “obrigou”ao trabalho e a omitir(mas não conseguiu)um dia que estava reservado ao ritual da evocação dos nossos mortos. Fi-lo num outro dia,mas parece que a coisa não teve o mesmo “sabor”…No entanto, fi-lo com a decência e o jeito que a efeméride exige: evoquei quem me foi querido e relembrei quem já desapareceu e  me deixou gratas  memórias. E isso, nenhum estado pode tirar (são uns loucos…). O depósito das nossas memórias é um cofre inexpugnável. No entanto, acreditem ou não, Novembro é um mês que não gosto nada. Não é por causa da décima da casa ou da conta da luz, ou até mesmo das chuvas frias do fim de Outono. Não, sempre foi assim. Sempre pressenti que havia neste mês uma espécie de prenúncio de morte .

No entanto, é na plenitude dessa visitação de romaria aos cemitérios que me deixo reconduzir ao que de mais fundamental me confronta durante a minha (nossa)existência. Sei o que é a Vida e quanto tantos de nós a amamos e queremos, mas ninguém conhece a Morte . Apenas a morte do Outro. E como custa suportar a morte daqueles que nos são próximos  e queridos. É então que nos vestimos de luto intenso e nos afastamos psicologicamente e afetivamente daqueles que amamos até os recordarmos somente como uma coisa boa da nossa vida.

Pensamos então na Morte como um mistério que nos inquieta (e é),que nos provoca medos e ilusões, mas que muitas vezes nos causa a impressão de que a imortalidade pode ser possível se a  escondermos  ,a ignorarmos  e se  e nos afastarmos dessa certeza que, no dia e hora que desconhecemos, nos vai deparar. No entanto, pactuo com a velha filosofia  do velho António Campos,meu pai, que dizia “o pagar e o morrer, quanto mais tarde melhor...”Sei e todos sabemos que é a única certeza que habita o nosso mundo. É a única certeza que tentamos recusar  numa enorme contradição entre aquilo que conhecemos e aquilo que desejamos. E no entanto ela mora entre nós e todos os dias nos dá sinais da sua omnipresença. A visitação aos cemitérios é talvez uma ultima etapa de uma ilusão de que se pode vencer a Morte.

Ali, não há mortos por haver, mas antes sinais de vida, de reencontro, de evocações, de momentos de memórias, de histórias individuais e colectivas,de uma mostra majestosa de que visitamos  a ultima morada antes do reencontro final com os nossos amores,amizades,com as nossas saudades….E este ritual de Finados é possivelmente um dos últimos elos de ligação que ainda resiste a este tempo agarrado à efemeridade e aos ideais de prazer em evocar os nossos mortos.  Pronto, hoje foi daqueles dias em que me apeteceu filosofar. Penso mais que é teologizar, pois nesta área só os teólogos nos dão uma ideia capaz de compreender a Morte. E sempre que “eu filosofo”, saem-me ideias em catadupa  que vos podem pôr a pensar que estão perante um chato…mas eu pretendo ser isso mesmo. Ser chato para vos pôr a pensar.

A sociedade actual esquece-se muito rapidamente do que não lhe convém.Tem unicamente na natureza efémera dos seus símbolos o mito do consumo e do prazer mundano e imediato. E esquece-se muitas vezes da única certeza absoluta das nossas vidas:-A Morte.

 Credo,que raio de tema este gajo havia de se lembrar…deverão pensar os meus queridos leitores. Mas,como disse já,Novembro é o mês que me faz pensar nisso embora eu saiba que não agrade a ninguém,mas falar dele talvez seja útil para alguém…

   Acho que Novembro é o mês ideal para refletirmos sobre este tema e que os espaços vitais da nossa existência humana(compreensão,razão,afectos e amor)venham substituir o temor que temos sobre a Morte,imaginando-a apenas como uma sentença logo anunciada após o nascimento,mas que ela não mate logo a fome das coisas que ficam por dizer. E por amar.

   A Morte não é o fim de todas as coisas. Apenas e só a única certeza absoluta,mas que ela nunca nos tire a capacidade humana de viver ou sobreviver…

 Entre Mortos e Vivos…

A.M.Campos

Novembro de 2013

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